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Há referências antigas sobre as “missas de Natal” na ilha da Madeira e que poderão incluir as missas do parto, a missa do galo e a missa do dia de Natal. Para estas missas eram dispensadas verbas elevadas, pelas fábricas das igrejas e pelas confrarias, destinadas à música e cantoria, decoração/ornamentação, cera e azeite, e ainda pagamento aos padres que diziam os sermões. Também deveria ser lançado fogo (“rebentamento” de fogo), pois desde o século XVII que era comum a sua utilização nas festividades religiosas, como está documentado na catedral funchalense com a festa de Nossa Senhora do Rosário, em 1674 e 1681, tendo sido pagos o “feitio do fogo”, pólvora, cera, papel, barbante e “rodas do ar”.
Por estas ocasiões festivas, as igrejas e ermidas no arquipélago da Madeira eram convenientemente preparadas para as “missas de Natal”, como era comum em todas as festividades religiosas, sendo os altares limpos e asseados, assim como as imagens sagradas e as alfaias litúrgicas. Era da responsabilidade dos altareiros, sacristãos, zeladores, mordomos e até andantes a limpeza dos altares que incluía espanar o pó, tirar as teias de aranhas, enxotar os animais do interior das igrejas, das sacristias e dos adros, embora esta tarefa fosse específica do perreiro, que enxotava / expulsava os cães e outros animais do espaço sagrado, sendo também limpos e “lavados” os quadros, painéis e imagens, que eram tapados por cortinados, de acordo com as respetivas épocas festivas, incluindo o Natal.
Cabia, por outro lado, aos armadores e carpinteiros a decoração dos altares para as festividades religiosas, como os “pendurados” (decorações, ornamentações) e as ramas de cheiro, que nos séculos XVII e XVIII estão documentados como “ramalhetes”, “cheiros”, “ervas de cheiros” ou simplesmente “ramas”, sendo as mais referenciadas a murta, o junco, o louro, o alecrim e a giesta, mas também pinhas, e no século XIX a palma, a oliveira e a “flor de Maio”, com pagamentos aos “homem da rama” e aos “pretos” que as transportavam. Possivelmente, na época natalícia os ramalhetes fossem os que hoje ainda são usados, como o alegra-campo, o esparto, o musgo, o junquilho, o azevinho, o ensaião, e, ainda, as cabrinhas e searinhas. Completavam as ornamentações as luminárias (candeias, lamparinas). A colocação das armações e ramas danificavam as paredes, arcos, retábulos e altares, sendo todos os anos advertidos os párocos, as fábricas e as confrarias para terem os devidos cuidados.
Os armadores, segundo Raphael Bluteau (1712), eram oficiais que com almofadas, volantes (tecidos de fios de lã) e outros tecidos ornavam as igrejas, nas diferentes épocas festivas. Na Madeira, os armadores armavam os templos, cobriam e destapavam os painéis e retábulos com cortinas e panos, executados em tecidos simples ou ricos, por vezes brocados e lavrados a prata e ouro, importados de Lisboa e de outras cidades europeias (Flandres, Ruão, Granada, Valência e Veneza). Em 1578, na Sé do Funchal, é referida “seda de Veneza a que chamão Duperina”. Mas também os alfaiates madeirenses executavam cortinas e cortinados com diferentes tecidos importados (algodão, bergantil, bocaxim, cambraia, cetim, damasco, olandilha, seda, tafetá, tela, veludo).
Retomando as “missas do Natal”, refira-se, por exemplo, que a “missa do galo” já está referida em 1582, na Sé do Funchal, e a 26 de julho de 1610 o vigário da Igreja de Nossa Senhora da Graça do Estreito de Câmara de Lobos afirma que depois da missa do galo ficavam muitas mulheres na igreja causando grande perturbação. Era o conflito entre o sagrado e o profano, havendo denúncias que nestas missas havia festividades e cantorias “desonestas” e realizavam-se fora de horas decentes.
Das “missas do parto” temos notícias em 1685 (Ribeira Brava); em 1688 (São Vicente); em 1690 (Convento de Santa Clara). No ano económico de 1740-1741, foram celebradas “missas do parto”, do Natal e das oitavas na Misericórdia do Funchal, e em 1757 a confraria da “Igrejinha” pagou 3$000 réis pela celebração das “missas do parto” e do Natal. Até em testamento estão referidas as “missas do parto”, no cumprimento de missas: 1705 - por D. Clara Milheiro, mulher de Francisco Pardo de Figueiroa, ditas na Capela de São José (Calheta); 1716 – capitão Luís Gonçalves da Silva e sua mulher, D. Antónia de Meneses, ditas na Capela de São José (Ribeira Brava); 1889 – por um legado de António Correia, foram pagos 3$600 réis ao capelão por “nove missas do parto” (Convento de Santa Clara). Em 1756, os paroquianos da Quinta Grande (Campanário), por exemplo, eram devotos à celebração das “missas do parto”.
Diretamente relacionada com as “missas do parto” estará a veneração à “Nossa Senhora da Expectação” ou “Nossa Senhora do Ó”, que na Madeira está documentada pelo menos desde 1588, quando na Sé do Funchal estão referidas as festas em sua honra. No entanto, hoje não existem imagens desta devoção, embora no Porto Santo, por tradição, uma escultura flamenga, do século XVI, esteja identificada com esta temática, mas a sua iconografia não corresponde. A sua raridade deve-se ao facto do Concílio de Trento (1545-1563) ter proibido esta representação, juntamente com outras temáticas que evidenciavam indecorosidade. A poucas espécimes pictóricas e escultóricas que representam os mistérios da maternidade da Virgem Maria estão, subtilmente, aludidas na temática da “Visitação”.
Texto: Rita Rodrigues (DRC/DEP)
 
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“Visitação de Nossa Senhora a Santa Isabel” (pormenor), Luís Bernes, 1918 “L. Bernes – fecit, 1918”, teto da igreja de Nossa Senhora da Luz, Ponta do Sol. Foto: Paulo Ladeira.
 
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“Visitação de Nossa Senhora a Santa Isabel”, Luís Bernes, 1921, teto da antiga igreja de São Lourenço, Camacha. Foto: Rita Rodrigues.
 
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Magnificat” (Canção de Maria): “fecit mihi magna qui potens est, et sanctum nomen eius”, séc. XVIII, oficina regional, Capela dos Esmeraldos (ou Capela do Espírito Santo ou de Nossa Senhora da Conceição), Ponta do Sol.
Foto: Rita Rodrigues.
 
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Pormenor de “Magnificat” (Canção de Maria): “fecit mihi magna qui potens est, et sanctum nomen eius”, séc. XVIII, oficina regional, Capela dos Esmeraldos (ou Capela do Espírito Santo ou de Nossa Senhora da Conceição), Ponta do Sol. 
Foto: Rita Rodrigues.
 
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Missa do Parto, Câmara de Lobos. Foto: Duarte Gomes (publicada na Revista Archais, nº.11, 2015).
 
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Missa do Parto, Camacha. Foto: Duarte Gomes (publicada na Revista Archais, nº. 11, 2015).
 

missa7dopartoMissa do Parto, Canhas. Foto: Duarte Gomes (publicada na Revista Archais, nº. 11, 2015).

missa9dopartoMissa do Parto, Curral. Foto: Duarte Gomes (publicada na Revista Archais, n.º 11, 2015).

missa10dopartoMissa do Parto. Foto: Duarte Gomes (publicada na Revista Archais, nº. 11, 2015)

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