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Como refere Raimundo Quintal, “Na Madeira a história das levadas confunde-se com a dos homens. As primeiras surgiram nos alvores do povoamento e daí para cá nunca mais deixaram de nascer. A rede de levadas é um espantoso monumento com cerca de 1400 Km de extensão, numa ilha com apenas 756 Km².” (1)
As levadas são canais de irrigação, ladeadas por um percurso pedestre, construídas com o objetivo de transportar água, do lado norte da ilha, onde este recurso natural é abundante, até ao sul, onde é escasso, para irrigação dos terrenos. Estes aquedutos serviam, igualmente, para a condução da água até os engenhos de moer cereais e cana-de-açúcar e os engenhos de serração de madeiras, que funcionavam a energia hídrica, e, posteriormente, até às centrais hidroelétricas.
As nossas “levadas” constituem um sistema de regadio, que podemos considerar único no mundo, não porque estas estruturas não existam noutros locais, mas devido às suas caraterísticas, nomeadamente sua dimensão e a sua localização, no meio da floresta e a grandes altitudes, o que levou a métodos de construção muito específicos, tornando-as uma valiosa obra de engenharia, que faz parte do nosso património edificado, atualmente alvo de uma candidatura a Património Mundial.
A profissão de “levadeiro”, parece também não ser um ofício tradicional muito comum, embora admitamos que possa não ser exclusivo da ilha da Madeira.
Cabia ao chamado “juiz da levada”, nomear os “levadeiros”, encarregues da distribuição da água para regadio, a chamada “água de giro” (tempo que decorre entre a rega de um terreno e a sua próxima rega).

Conforme a levada e o seu número de "regantes", podia ser atribuído a cada terreno uma determinada periocidade (por exemplo de 15 em 15 dias), o que fazia com que todos pudessem utilizar a água, à vez, controle feito, especialmente, no verão.
Apesar de, forma geral, o “levadeiro” ser definido como o homem encarregue da distribuição da água, a verdade é que este ofício, um dos mais antigos do arquipélago e comum a todos os concelhos, inclui outras funções, ligadas à manutenção destes canais de irrigação.
Cabia-lhe não só a fiscalização da distribuição da água, mas, também, a limpeza destes canais, das grades de retenção do lixo, bem como de outras estruturas e da zona envolvente, motivo pelo qual fazia-se acompanhar de uma foice, para arrancar o mato.
Havia que garantir a fácil circulação da água, de forma que chegasse aos "tornadoiros" dos vários regantes, atempadamente, desviando e partilhando os caudais conforme estabelecido.
A labuta tinha início de madrugada, por forma a garantir a abertura dos reservatórios e das caixas divisórias, daqueles que regavam logo pela manhã, percorrendo longas distâncias, muitas vezes, em caminhos de difícil acesso.
Embora as ferramentas usadas neste ofício não fossem sempre as mesmas, era comum o uso de uma espécie de “gazua”, comprida, para fechar e abrir as pequenas “comportas”, ao longo das levadas, desviando a água, conforme necessário.
Existem também referências ao uso de uma grande argola com chaves, que serviam para abrir os portões das propriedades privadas, ou o uso de um búzio, para anunciar aos agricultores, quando o "giro" da água, chegava à sua "fazenda".
Na ilha da Madeira, este búzio teve, aliás, várias aplicações, como instrumento de sopro de longo alcance, sendo também comum o seu uso entre os "borracheiros", que transportavam o mosto, por caminhos íngremes e longínquos, na serra. Para emitir o som grave, que lhe é característico, esta concha de bivalve tem de ser perfurada na extremidade do seu vértice.
Estes profissionais usavam, ainda, uma lanterna e uma ampulheta para controlar o tempo de rega.
Apesar da Região ser muito rica em recursos hídricos, a água torna-se um bem escasso, sobretudo para irrigação dos campos, no verão e em épocas de seca. Por esse motivo, a posse de água ou o direito do seu usufruto geraram, desde sempre, litígios, o que obrigava a que o tempo de rega, de cada agricultor, fosse rigorosamente controlado. Embora noutros moldes, ainda hoje, é efetuado esse controle.

 
Fotografia: “Levadeiro, tocando búzio, para a distribuição de água e irrigação, munido da tradicional ampulheta e da lanterna de rega”, ABM, ENP/24.
(1) Quintal, Raimundo, «Levadas da Ilha da Madeira. Da epopeia da água ao nicho de turismo ecológico», in Revista AmbientalMENTEsustentable, Vol 1, Nº11-12, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2011, p.142.
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