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É comemorada sessenta dias após o Domingo de Páscoa, sendo festa móvel, e simboliza o culto ao Santíssimo Sacramento (Eucaristia). Foi instituída pelo papa Urbano IV, em 1264, sendo originária em Liège (Bélgica), relacionada com a visão de uma monja, a quem Cristo aparecera pedindo festa comemorativa da Eucaristia, e em Bolsena (Itália), onde um padre pouco crente viu sangrar uma hóstia. Embora determinada pela Bulla Transitarus de Hoc Mundo, pelo referido papa, e com ofício de São Tomás d´Aquino (1225-1274), foi apenas concretizada pelo papa Clemente V, no Concílio Geral de Viena, em 1311. O «Corpo de Deus» é festejado em Portugal desde D. Afonso III (reinado: 1248-1279), com missa solene, sermão e procissão, privilegiando os símbolos eucarísticos.
É tradicional engalanar as igrejas e decorar as ruas com tapetes de flores que envolvem as comunidades locais. Estas tradições na ilha da Madeira são seculares, e às quais sempre estiveram associadas danças, cantares, cortejos alegóricos, representações e teatros alusivos a acontecimentos lendários e históricos, usando mesmo máscaras, além de jogos e muito folguedo, tudo condenado pela Igreja, por serem atos pouco decorosos (decentes), embora decorressem no exterior da igreja, mas muitas vezes no próprio adro, que era considerado ainda espaço sagrado, onde também se comia e bebia. No século XVI o Concílio de Trento tentou reprimir os abusos e a profanidade desta festa, mas cabia a cada diocese, através das suas Constituições Sinodais, organizar e orientar os festejos. Na Madeira, só em 1724 é que ficaram expressamente proibidas as danças e os jogos, e até algumas figuras de santos.
Refira-se a «dança da mourisca», que dizem (?) introduzida na Madeira pelo 2º. capitão do donatário do Funchal, que permitia aos seus escravos e prisoneiros a liberdade das suas danças nativas, embora seja uma tradição dos tempos medievais e que poderá testemunhar costumes das comunidades islâmicas e lutas entre mouros e cristãos, como documentado desde o século XV. Outro exemplo é a corrida de touros que se fazia, em 1492, entre a demolida Capela de São Sebastião, logo atrás da Sé do Funchal, em campo fechado, com aninais importados do Norte de Portugal, Canárias e África. Nestas touradas participavam presos de pequenos delitos, que poderiam ver as suas penas reduzidas consoante a qualidade da sua prestação durante o espetáculo. Acresce que nestas touradas havia feridos e mortos, pela violência dos chifres aguçados dos touros, levando a Câmara do Funchal a determinar que fossem cortadas as pontas dos cornos dos animais, mas não agradou à população porque “esmorecia” o espetáculo!
A procissão do «CORPO DE DEUS» era religiosa e real, sendo a sua organização da competência do monarca, mas na ilha da Madeira foi delegada a responsabilidade ao senado da Câmara do Funchal que passou a ter total jurisdição e governo, contando com a participação dos clérigos. A procissão do «CORPUS CHRISTI», ao longo dos séculos, esteve envolta em querelas entre o senado, bispos, clero e homens da governança (governadores, vereadores, almotacés, alcaides, meirinhos, etc.), que reivindicavam cada um per si um lugar de destaque na mesma, segundo a sua hierarquia religiosa, social, política e económica, sabendo-se que em 1483 o Funchal seguia as mesmas diretrizes que Lisboa.
Até 1502 a procissão do «CORPO DE DEUS» apenas decorria na vila do Funchal, sendo depois autorizada a outras vilas madeirenses desde que a sua realização fosse no Domingo seguinte a fim de ser evitada a concorrência às cerimónias funchalenses. A procissão percorria algumas ruas do Funchal, que eram obrigatoriamente limpas, saindo da Catedral, passando pela “Igrejinha”, Rua das Pretas, Rua dos Netos, contornando o Colégio e regressando à Sé, sendo obrigatória a participação ativa dos oficiais mecânicos (como besteiros, carniceiros, oleiros, carpinteiros, pedreiros, pescadores, tanoeiros, barbeiros, ourives, mestre de açúcar, etc., e também mercadores), que levavam os instrumentos dos seus ofícios, as suas insígnias e tochas, segundo determinava o senado da Câmara, sob pena de multa pelo incumprimento, cuja posição na procissão estava determinada desde 1508, por carta régia, aproveitando os nobres para exibirem os seus ricos trajes e jóias. Em 1696, por exemplo, os sapateiros levaram o dragão (“drago”); os alfaiates a serpente (“serpe”); os moleiros o “anjo grande”; os hortelãos os carros com as novidades da terra; os boieiros e taverneiros com a dança das espadas, uma espécie de “dança guerreira”; os pescadores, arrumadores e medidores com as pélas (bolas ou dançando aos ombros de outro); os arrieiros com os “cavalinhos frescos”; padeiros, carreteiros e lavadeiras com a dança dos “machachins”, ou seja, requebros mímicos (movimentos do corpo); artífices com os seus carros; os oleiros com a dança dos espartos; calafates com a dança que quisessem; barbeiros com a balança de sagitário e a vara de São Jorge. Até raparigas dançavam nos ombros dos rapazes ... Das danças ficavam dispensados os imaginários, pintores, calafates e cordoeiros, mostrando a superioridade da sua classe profissional. Depois seguiam-se as folias com gaitas, pandeiros, violas e tamboris, etc. Era uma procissão de grande aparato litúrgico, mas também de festa profana, sendo tradicional acompanhar a procissão uma imagem de São Jorge, padroeiro de Portugal por D. João I, a cavalo, trajando como um guerreiro antigo, com manto de seda e espiguilha dourada, ficando à guarda da «Casa dos Vinte e Quatro» (corporação sócio-profissional dos oficiais mecânicos; órgão deliberativo na Câmara), velada, cada ano, por um dos mesteres (ofícios). A imagem de São Jorge deixou de incorporar a procissão do «Corpo de Deus» a partir de 1857.

Texto: Rita Rodrigues.

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Foto 01 – «Ordenança do dia de Corpo de Deus, da maneira que hão-de ir os ofícios, a qual foi tirada da Câmara da cidade de Lisboa» - (17 de Maio de 1483). ABM, CMF, L.º 1395, f. 19 v.º.

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Foto 02 – «Carta Régia» – Lisboa (7 de Julho de 1604) – ABM, Câmara Municipal do Funchal, L.º 1214.

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Foto 3 – Procissão do «Corpo de Deus» - 1901-1905 – Bispo D. Manuel Agostinho Barreto, debaixo do pálio e fiéis. Fotografia: Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente´s. MFM-AV – inv. JAS/197.

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Foto 04 – Missa do «Corpo de Deus» - Capela de Casa de Saúde de São João de Deus (Trapiche). 11 de Junho 1956. Fotografia: Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente´s. MFM-AV – inv. VIC/10001

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Foto 05 - Missa do «Corpo de Deus» - Capela de Casa de Saúde de São João de Deus (Trapiche). 11 de Junho 1956. Fotografia: Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente´s. MFM-AV – inv. VIC/10000

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Foto 06 – Cartazes - «Corpo de Deus» - Diocese do Funchal (2018 e 2019)

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Foto 07 – «Custódia» – Igreja de Machico. Foto: DRC/RFP.

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Foto 8 – Bispo sob Pálio e passando sobre tapetes de flores. Sé do Funchal. Fotos: Funchal Notícias (30.05.2018).

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